"House of Cards": crítica da terceira temporada
Um vez que chegou no topo da carreira política, resta ao agora presidente Francis “Frank” Underwood, novamente vivido por Kevin Spacey, se manter no cargo pelo tempo que conseguir. Esse é o foco da terceira temporada de “House of Cards”, série da Netflix que consolidou o serviço de streaming como uma força a ser levada a sério no competitivo universo do entretenimento televisivo dos EUA.
Depois de uma cena matadora de Frank no cemitério visitando o túmulo de seu pai, corta para a recuperação de seu assessor, Doug Stamper, papel de Michael Kelly, depois de ter levado uma pedrada na cabeça no final da segunda temporada. A sequência serve para mostrar duas coisas para o espectador: a primeira é fazer uma elipse dos seis primeiros meses de Underwood no governo, assim, quando o reencontramos ele já está devidamente instalado no Salão Oval e começa a sua batalha em diversas frentes; a segunda é deixar bem claro que não teremos o presidente mais tão no centro da narrativa assim.
Não me entenda mal. Frank Underwood ainda é o coração da série e suas manobras políticas norteiam todo o roteiro. Mas agora ele é o presidente dos Estados Unidos da América, líder do mundo lívre, como gostam de dizer os próprios estadunidenses. Isso quer dizer que há um limite para o que é possível explorar dramaticamente. Afinal, do ponto de vista de arco de personagem, como foi estabelecido no primeiro episódio da primeira temporada, ele já cumpriu sua trajetória. Por mais que tenha chegado à presidência pela porta dos fundos, ele chegou lá.
Ao mesmo tempo, Frank Underwood enquanto personagem encontra pouco espaço para se desenvolver. Quem aparece no lugar é o já citado Stamper, é a procuradora Heather Dumbar, a deputada Jackie Sharp e, claro, Claire Underwood, a primeira dama, vividas por Elizabeth Marvel, Molly Parker e Robin Wright. Cada uma delas têm sua própria ambição que será bloqueada no momento em que isso cruzar os interesses de Frank.
Em relação à Claire, que deseja se tornar embaixadora americana da ONU como espécie de preparação para, no futuro, se tornar ela mesma presidente, temos um tema que norteia toda a temporada. Frank é obrigado a diversas vezes escolher entre a esposa e a governabilidade, optando pelo segundo em um momento crucial. Isso não apenas o aproxima de Garrett Walker, o presidente destituído na temporada anterior muito em parte por questões matrimoniais, como também desestrutura a fundação da habilidade política de Underwood.
Pode ser forçado pensar que na relação entre Claire e Frank “House of Cards” faz um comentário sobre Hillary Clinton, mulher de um ex-presidente democrata que é muito cotada como próximo nome do partido para 2016 (um pouco menos forçado, na verdade, se pensamos em como as personagens de Sharp e Dumbar se desenvolvem). Mas isso não quer dizer que essa temporada não faça suas alegorias políticas.
A mais óbvia vem com o presidente da Rússia, Viktor Petrov, vivido por Lars Mikkelsen, que é uma clara paródia de Vladimir Putin, com direito a uma participação do Pussy Riot. Isso se desenvolve em uma missão de paz no Vale do Jordão, que também funciona como comentário em relação às políticas intervencionistas americanas no Oriente Médio. Ainda assim, alguns dos melhores momentos de Underwood são nos diálogos que trava com seu igual russo.
Outra relação curiosa com a política atual é o America Works, que pretende reduzir ou cortar programas de seguridade social, como a previdência e o seguro desemprego, e transformar isso em 10 milhões de empregos subsidiados pelo estado. Uma salada das agendas democratas e republicanas que ele encampa justamente por sofrer hostilização de ambos os partidos. Algo semelhante aconteceu com o Obamacare, programa de saúde pública dos EUA que é a base da política interna de Barack Obama.
O America Works não é apenas a plataforma de governo de Frank. É a chance de deixar um legado, como foi com o próprio New Deal de Franklin Delano Roosevelt, que ele mesmo usa como comparação em diversas ocasiões. É, também, o bilhete premiado que lhe levaria à reeleição, daí sua importância na terceira temporada que lida, justamente, com a sua legitimação no cargo. Mas logo fica claro que seu estilo de intimidação e troca de favores nos bastidores que lhe manteve por tanto tempo como peça fundamental no Congresso não se aplica tão bem na presidência.
Assim como o estilo e truques para manutenção de poder de Frank Underwood começam a se desgastar, com o atual presidente precisando descobrir novas formas de trabalhar com o Congresso, o Senado e a opinião pública, a própria série começa a se reinventar narrativamente. Já não basta mais a quebra de quarta parede, com o personagem de Kevin Spacey se dirigindo para a câmera. Daí surgem episódios um pouco menos convencionais como, por exemplo, o sétimo e o oitavo. Neste último dois textos, um de um biógrafo do presidente e outro de uma jornalista detratora do governo, servem de metáfora e comentário sobre o que está acontecendo em cena. No outro, a cor dos cabelos de Claire e um mosaico de areia feito por monges ao longo de um mês servem como marcação temporal.
São os episódios que melhor definem as características principais desta terceira temporada. Tempo e narrativa. Underwood não quer ser apenas efêmero. Quer deixar um legado. Para isso ele precisa tomar as rédeas da história de todo um país. Contra todas as possibilidades, por isso, no fundo, é a abertura da série, que acompanha a passagem de tempo de forma acelerada em Washington, cidade sede do governo americano, que ainda funciona como a metáfora perfeita para a trama. O tempo passa e tudo aquilo feito por todos esses políticos será apenas uma nota de rodapé na história.
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