Zeca Camargo versus Cristiano Araújo e a desinformação coletiva

A morte de Cristiano Araújo, na semana passada, desencadeou algumas discussões sobre o gênero sertanejo e a produção cultural no Brasil. Debates protagonizados basicamente por três elementos: a cobertura da mídia, que, seguindo interesses econômicos (de acordo com a teoria da conspiração vigente), mais uma vez explorou de maneira exacerbada a tragédia, com mais horas de cobertura do que o falecimento do candidato à presidência Eduardo Campos, no ano passado; o respeito ao morto, que teve imagens vazadas da funerária e do momento do socorro ao acidente, criminalmente punido; e, claro, a comoção nacional, polêmica da vez sobre o caso.

O “ilustre desconhecido” desencadeou milhões de homenagens pelo país e, ao mesmo tempo, questionamentos de outros milhões que nunca ouviram falar de Cristiano sobre a sua relevância no meio cultural, acrescentando que o artista não teria expressividade nacional e que, por isso, não merecia tamanha repercussão de sua morte. Encabeçando este segundo coro, está Zeca Camargo com sua crônica na GloboNews, que critica a cobertura da mídia – a mesma na qual se insere –; o “abraço coletivo” do público, que, para ele nunca havia ouvido falar do artista; a importância do Sertanejo na cultura nacional e ainda Cristiano Araújo como um “ídolo de verdade”.

A opinião do global reacendeu o clamor público, agora encabeçado pelos ídolos sertanejos, que repudiam o discurso de Zeca, incitando uma campanha contra a “supremacia” cultural e o “preconceito” com a hashtag #QuemÉZecaCamargo. A guerra nas redes sociais, que agora se divide entre os a favor e contra o ex-apresentador do “Vídeo Show”, pressionou por uma retratação ao vivo dele ao aparecer como convidado do programa que comandava, cometendo, talvez propositalmente, a mesma gafe da colega Fátima Bernardes, ao confundir o nome do falecido com o do jogador Cristiano Ronaldo.

A cegueira cultural latente, provocada pela desinformação de ambos os lados, talvez seja a maior vilã da novela toda. Por um lado, aqueles que não enxergam o gênero brasileiro como um produto para as massas, e acabam comentando, assim como Zeca, que o sertanejo está à margem. No entanto, alguns dados mostram uma realidade diferente, como o ranking feito pela Crowley que comprova o estilo como líder das paradas de sucesso das rádios. Em 2014, das dez músicas mais tocadas, nove eram sertanejas. O “ilustre desconhecido” Cristiano Araújo aparece em 11.º lugar, com “Maus Bocados”, logo abaixo do hit chiclete “Happy”, de Pharrell Williams, e acima de “grandes nomes”, como Thiaguinho e Anitta. Das top 100, 59 músicas são sertanejas. Já no iTunes, dos 15 discos mais baixados no ano passado, cinco pertencem ao gênero. Assustador, não?

Ao analisar tal contexto, deixa de ser um grande mistério o volume de homenagens ou a quantidade de baladas do gênero que pipocam por todos os lados, além dos grandes festivais dedicados ao estilo, como Caldas Country e o recentemente coberto pelo POP, Curitiba Country Festival, considerado o maior evento musical realizado na capital paranaense. O avanço do sertanejo, evidenciado como um empobrecimento cultural pelo cronista, comparado com o fenômeno dos livros de colorir para adultos, como “Jardim Secreto”, de Johanna Basford, que apesar de virar febre no Brasil, não é um fenômeno puramente nacional, talvez gere um discurso meio preconceituoso de quem apenas arranha a superfície. Deixando de lado méritos como gosto musical, ao pregar que se deve “idolatrar” figuras específicas e ignorar determinadas produções, voltamos a uma rixa antiga, principalmente no mundo da música, na qual ganham força aspectos sobre o que é cultura e o que é lixo ou qual o valor da produção com intuito mercadológico e voltado para as massas. Tal debate se aplica ao gênero pop, que frequentemente é alvo de tais julgamentos, mesmo gênero da maioria dos exemplos do global, como Tina Turner, citada por Zeca, que clama “por outro herói”.

Discussão extensa e profunda, talvez a dificuldade de explorar o ritmo que lhe é estranho e soa raso e superficial, com melodias repetitivas e letras grudentas e sem conteúdo, cause tal confusão. Por outro lado, vemos pessoas que não conseguem defender a qualidade musical do meio em que estão inseridas ou têm dificuldade em falar sobre o valor do que realmente gostam apenas por números de venda. Talvez o excesso de críticas por tais produções, tachadas como uma cultura inferior, de baixa qualidade, que não agregam conteúdo, limite o debate, que poderia ser frutífero e enriquecedor, mas acabou se tornando uma campanha sobre o direito de não ouvir mais críticas. Algo como: “Prefiro ser surdo a ter de lidar com a opinião contrária, ao expor meus argumentos e defender o que realmente acredito.”

Voltando um pouco ao passado, pode-se notar que o sertanejo continua mantendo parte de sua essência, apesar das mudanças gritantes que sofreu ao longo do tempo, recebendo influências nacionais e internacionais, até ganhar o contorno popular que tem hoje, da mesma forma que outras produções brasileiras. Mesmo assim, a polêmica sobre o gênero evidencia a dificuldade de tentar olhar por outro ângulo, seja por Zeca – ao comentar um tema que não acompanha apenas pela polêmica do momento – seja pelos sertanejos – que, sem uma argumentação melhor, repercutem as hashtags e textos, criticando o conteúdo e o momento sem uma maior atenção. Apenas pelo calor do momento, criticando o meio no qual todos se inserem, engrossando o coro cego da “comoção nacional”.

comente